quarta-feira, 23 de julho de 2025

CONVERSANDO SOBRE O AUTISMO - Emoções no autismo: como ajudar as crianças autistas a expressar seus sentimentos


Para qualquer ser humano, nem sempre é fácil expressar seus sentimentos, entender as próprias emoções e saber lidar com elas. Vivemos em um mundo em que, muitas vezes, somos ensinados, inclusive, que a expressão de sentimentos é algo a ser evitado, pois pode causar incômodo.

Para crianças autistas a expressão de sentimentos pode ser ainda mais desafiadora, pois a forma de sentir as emoções no autismo pode ser, muitas vezes, confusa ou mesmo intensa.

Isso, pois a vivência do mundo emocional é muito singular, o que pode gerar desafios tanto em identificar o que se está sentindo, assim como nomear e expressar sentimentos.

Além disso, as barreiras comunicativas podem trazer desafios ainda maiores nessa expressão de emoções no autismo.

Neste texto, vamos abordar os desafios na expressão de sentimentos e emoções no autismo, assim como trazes estratégias de como auxiliar a criança a desenvolver a expressão de emoções divertidamente, de modo a favorecer a expressão de sentimentos de forma respeitosa com a criança. Se expressar é um direito de todos.

Como as emoções são expressas no autismo?

Todos os seres humanos expressam sentimentos desde bebês: choramos, gritamos, rimos — tudo isso são formas de expressar sentimentos e emoções.

No entanto, essas manifestações nem sempre são compreendidas pelas outras pessoas, o que pode fazer com que o bebê não seja atendido em suas necessidades.

Para que nossas necessidades emocionais sejam acolhidas, precisamos conseguir nos expressar de uma forma que os outros compreendam.

Em qualquer ser humano, a aprendizagem da expressão de sentimentos de modo que outra pessoa entenda costuma ocorrer na seguinte ordem:

Passo a perceber uma sensação no meu corpo: nossas emoções estão diretamente relacionadas a sensações corporais.

A partir da sensação, consigo nomear o que estou sentindo: nomeio tanto as emoções relacionadas à fisiologia, como fome e dor, quanto as afetivas, como raiva ou tristeza.

Sei o que fazer diante daquela emoção: o que envolve tanto comunicar ao outro qual é a minha necessidade quanto, eu mesmo, buscar formas de supri-la.

Quando olhamos para essas três etapas da vivência emocional no autismo, percebemos que as pessoas autistas costumam sentir as sensações do corpo alteradamente — seja de maneira mais intensa, mais branda ou até confusa.

Isso pode dificultar a nomeação do que estão sentindo e, por consequência, gerar incerteza ou dificuldade sobre o que fazer diante daquela emoção. Por isso, expressar sentimentos e emoções no autismo requer uma escuta diferenciada e caminhos adaptados à forma singular com que essas crianças experienciam o mundo.

Emoções no autismo: como posso ajudar um autista a expressar suas emoções?

Para ajudar uma criança autista a expressar sentimentos, precisamos trabalhar no que envolve os três passos descritos: 

1. Perceber as sensações corporais; 

2. Ensinar a criança a nomear o que está sentindo; 

3. Ensinar estratégias do que aquela criança pode fazer, diante do que ela está sentindo.

Mais para frente vamos apresentar 5 estratégias de como desenvolver essas 3 etapas. Mas antes disso, precisamos entender o que ajuda e não ajuda a expressão de sentimentos quando falamos em emoções no autismo:

O que não ajuda a expressão de emoções no autismo — e qualquer outra pessoa:

Achar que existe só uma maneira certa de expressar o sentimento: as experiências de cada ser humano nessa vida é única, assim sendo a expressão de sentimentos também vai ser. A multiplicidade de formas de expressão deve ser valorizada e incentivada;

Pressionar a criança para que ela fale o que está sentindo: nem sempre a fala isolada será a forma mais fácil da criança expressar o que está sentindo, ainda mais se ela estiver em um momento de extrema dificuldade. A expressão do sentimento deve ser trabalhada fora do momento em que emoções intensas estão acontecendo;

Minimizar o que a criança está sentindo: toda vez que um ser humano conta o que está acontecendo com ele e isso é minimizado ou não credibilizado, ele pode fazer com que ele se desconecte de suas sensações e necessidades;

Focar em atividades que trabalhem a “cara de emoção”: ensinar uma criança autista a imitar a expressão de uma emoção, ou mesmo olhar para um vídeo e dizer o que o outro está sentindo, não ensina o que é a emoção. Ela precisa viver, sentir, correlacionar com o que ela sente.

O que ajuda a expressão de emoções no autismo — e qualquer outra pessoa:

Criar um ambiente seguro para expressão de emoções: todo e qualquer ser humano vai expressar melhor seus sentimentos onde ele se sentir seguro para isso. Quando não nos sentimos seguros vamos para reações mais primitivas, como comportamentos relacionados à luta, fuga ou congelamento;

Uso de suportes visuais para emoções: as emoções podem ser muito abstratas ou mesmo difíceis de serem nomeadas quando estão ocorrendo intensamente. Usar suportes visuais tanto para ensinar, quanto para a criança usar de suporte no momento de se expressar pode ajudar;

Validar a forma de expressão da criança: se a criança desenvolveu uma forma de expressar seus sentimentos no qual ela e o outro fica em segurança e ela consegue se fazer entendida por todos, valide isso. Não há uma única forma de se expressar e isso deve ser valorizado;

Legitimar o que a criança sente: toda a emoção e sentimento faz sentido, não controlamos o que sentimos e vamos sentir coisas diferentes e de formas diferentes a partir do que a gente viveu e como sentimos o mundo, assim sendo, não existe emoção errada;

Ensinar a conexão entre as sensações corporais e as emoções: não existe sentimento e emoção desconectado da sensação corporal, assim sendo ensinar a criança a perceber como está seu corpinho é mais de 50% do ensino de como expressar seus sentimentos.

Por que trabalhar emoções no autismo?

Expressar sentimentos e ter suas necessidades atendidas é um direito do ser humano. Sentimentos não compreendidos podem levar a uma grande frustração, a um sofrimento silencioso — e, muitas vezes, é isso que está por trás do que se chama, de forma leiga, de “crises” em crianças autistas.

Além disso, expressar sentimentos e emoções no autismo de forma clara e compreensível para o outro nem sempre será algo que se desenvolve espontaneamente. Isso acontece porque aprendemos a perceber nossas emoções a partir dos feedbacks dados por outras pessoas.

Como a percepção corporal em crianças autistas, muitas vezes, está alterada, nem sempre o outro será capaz de descrever para a criança o que está acontecendo com ela.

Ensinar a criança a perceber o seu corpinho, nomear o que está acontecendo com ele e descobrir o que ela pode fazer com isso é um caminho de desenvolvimento da autonomia e da autorregulação.

E isso também é um direito da criança — além de ser um passo importante para uma vida mais saudável, segura e feliz.

5 estratégias para ajudar sua criança autista a expressar seus sentimentos

A melhor forma de ensinar estratégias para o desenvolvimento da expressão de sentimentos e emoções no autismo de uma maneira que outras pessoas compreendam é no dia a dia. Toda aprendizagem deve acontecer em momentos em que a criança está bem, oferecendo recursos que ela possa acessar quando não estiver.

Aqui vão 5 estratégias para auxiliar a criança autista a expressar sentimentos:

1. Descreva o que seu corpo está sentindo

As emoções vêm de sensações corporais. Descrever para a criança o que o seu corpo está sentindo é uma forma de ajudá-la a prestar atenção ao próprio corpo. Por exemplo: “minha mão está molhada”, “minha pele está gelada”, “minha mão está quente”.

2. Dê modelo de expressão dos seus próprios sentimentos

Quanto mais você descrever no dia a dia o que está sentindo, mais a criança terá referências de como se expressar. Dizer, por exemplo, quando você está triste, feliz, com raiva ou com medo, mostra que sentir e falar sobre isso é algo possível e seguro.

3. Faça brincadeiras que aumentem a percepção corporal

Brincadeiras com gelo, água quente, ou que acelerem o coração são ótimas para intensificar as sensações corporais. Descreva para a criança como está seu corpo durante essas brincadeiras, o que você está sentindo, e dê a oportunidade para ela também descrever o corpo dela. Visuais são ótimos nesse momento!

4. Use histórias narrativas e recursos visuais como suporte

Histórias que mostram como a criança pode se sentir em diferentes situações e o que pode fazer com esses sentimentos ajudam muito. Visuais com emoções, “velocímetros” corporais ou cartões com expressões são excelentes ferramentas de apoio para desenvolver a expressão emocional.

5. Descreva para a criança o que você está vendo nela

Sempre que você perceber alguma reação corporal, diga o que está vendo e o que acha que isso pode significar. Por exemplo, se ela bocejar, você pode dizer: “Você está bocejando… acho que está com sono”. Isso ajuda a construir a ponte entre sensação e emoção.

Com todas essas estratégias, sua criança autista terá mais ferramentas para perceber e expressar sentimentos e emoções. E o melhor: todas são formas muito possíveis de serem implementadas no dia a dia.

Quanto mais a criança for exposta a essas experiências, mais ela vai desenvolver a percepção de si mesma e ganhar autonomia nesse processo.

Conclusão

O desenvolvimento da expressão de emoções no autismo, não é somente uma tarefa educativa ou terapêutica, é um direito, um ato de cuidado e um caminho para uma vida mais feliz e autônoma.

É importante reconhecer que são múltiplas as formas de sentir esse mundo, sentir as emoções e assim expressar os sentimentos. Não tem um jeito certo e errado.

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