domingo, 10 de junho de 2018

INSS: Segurado enfrenta via crúcis com desmonte de agências


Balconista Eliane Santos, 59 anos, tem artrose e teve o benefício cortadoFoto: Ed Machado/Folha de Pernambuco

Na tentativa de reduzir a superlotação das agências previdenciárias, o INSS deu início a um novo modelo de concessões de benefícios. Com isso, as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e salário-maternidade podem agora ser solicitadas pela internet ou telefone, dispensando a necessidade de ir às agências. Se essa alternativa vai ou não dar certo, só o tempo dirá. O fato é que o que tem se visto nos últimos anos é o desmonte das estruturas de atendimento aos contribuintes, o que acabou por dificultar o acesso dos cidadãos à Previdência Social. Quando precisam de algum benefício, esbarram na morosidade e na burocracia, e enfrentam uma verdadeira via crúcis ao tentar obter direitos sociais garantidos por lei.

“Os problemas são inúmeros, desde a indisponibilidade de datase perícias nos sistemas de marcação ou até mesmo por meio de agendamentos tardios, muitas vezes para além de seis meses do registro nos canais de acesso. E, quando o segurado consegue protocolar seu pedido, após esperar tanto tempo desde a marcação, a resposta ao seu pedido de benefício tende a tardar até 12 meses”, explica o advogado de direito previdenciário e presidente da Comissão de Direito da Seguridade Social da OAB/PE, Alexandre Vasconcelos.

É o que acontece com o ex-metalúrgico Paulo Ronaldo, que aos 62 anos de idade tem um único sonho na vida - conseguir se aposentar. Trabalhando desde os 13 anos de idade, há dois anos deu entrada no benefício, garantido por lei e pelo qual contribuiu por mais de 30 anos. No entanto, nem com todos os pré-requisitos cumpridos, ele consegue um retorno positivo do INSS, autarquia federal vinculada ao Ministério da Previdência Social.

A operadora de segurança Ediene Cunha tem 48 anos e desde 2014 tenta a concessão da sua aposentadoria especial. “Minha idade não é suficiente para solicitar aposentadoria, mas meu caso é diferente. Eu tenho direito porque tenho mais de 25 anos de contribuição e deficiência física média, o que me faz apta a conseguir o benefício”, revela a operadora, que teve poliomelite aos dois anos de idade e desenvolveu paralisia infantil. 

Segundo ela, em todas as tentativas de conseguir se aposentar pelo INSS, o instituto encontrou alguma forma de indeferir seus recursos. “Classificaram a minha deficiência como moderada, quando tenho mais de 20 laudos que comprovam a minha síndrome de poliomelite, considerada deficiência média”, revela a operadora, que na falta de acordo com o INSS, entrou com recurso judicial para assegurar seu direito constitucional.

Assim como ela, muita gente tem recorrido ao sistema judicial para tentar acelerar a lentidão de uma resposta. “Isso tem feito o sistema judicial ficar lotado, por isso o tempo de espera para ter o recurso julgado também aumenta”, lamenta Almir Reis.
Infelizmente, histórias como a do ex-metalúrgico e da operadora de segurança não são difíceis de encontrar, em especial, nos últimos anos, quando ficou mais evidente a problemática estrutural para conseguir acesso aos direitos sociais disponíveis no sistema previdenciário brasileiro, que colocam em xeque a sua eficiência. 

“Faltam braços para atender a demanda que a cada dia cresce mais com o aumento da longevidade. Para se ter uma noção, tem muitas agências em Pernambuco que nem enviam os recursos administrativos para análise por não terem servidores para realizar essa remessa”, afirma o especialista em direito previdenciário, Almir Reis. E, de acordo com ele, o problema ainda pode ficar pior, visto que a partir de janeiro de 2019, cerca de 50% do atual quadro de servidores da Previdência Social deve se aposentar. “A partir de janeiro de 2019, os servidores da previdência terão uma gratificação de estímulo ao serviço incorporada ao salário. Isso pode estimular os pedidos de aposentadoria”, explica o especialista.

Procurado, o INSS não respondeu os questionamentos apresentados pela reportagem.

Ex-metalúrgico Paulo Ronaldo tem 62 anos, trabalha desde os 13 e não consegue se aposentar - Foto: Ed Machado/Folha de Pernambuco

Corrida presidencial 

Em janeiro deste ano, a Secretaria da Previdência do Ministério da Fazenda divulgou que em 2017 o déficit previdenciário brasileirofoi de R$ 182,4 bilhões, crescimento de 21,8% em relação a 2016. Na ocasião, o secretário da pasta, Marcelo Caetano, afirmou que este fora o maior déficit desde 1995, tanto em termos nominais quanto reais e voltou a defender a necessidade da aprovação da Reforma da Previdência, na pauta de discussões há quase dois anos. 

Apesar de especialistas denunciarem erro grosseiro na contabilidade do Governo Federal, afirmando que o déficit é bem inferior ao alardeado, é certo que o tema será pauta de debates na corrida presidencial deste ano. “Celeumas à parte quanto ao déficit, nada mais justo que qualquer mudança drástica na previdência social passe por um amplo debate eleitoral, não sendo democrático nem mesmo republicano que seja ela imposta de forma tão desarrazoada como a apresentada por meio da PEC 287/2016”, afirma o especialista Alexandre Vasconcelos.

De acordo com ele, uma reforma que se pretenda ser justa e razoável precisa considerar cinco pontos importantes, nessa ordem: eficiência na gestão pública, mediante aplicação correta dos recursos da seguridade social; eliminação dos desperdícios e combate incessante às fraudes; melhoria da arrecadação, por meio do combate à sonegação fiscal; unificação dos sistemas de previdência, a fim de que todos os brasileiros tenham as mesmas regras (o que deve ser feito mediante justas regras de transição, respeitados o direito adquirido e as expectativas de direito”, e, em último caso, a criação de tributos temporários para o financiamento da Seguridade Social (CPMF, por exemplo). 

A Reforma da Previdência segue sem poder ser votada por conta da intervenção federal no Rio de Janeiro. No entanto, em entrevista à Folha de Pernambuco, Marcelo Caetano afirmou que diante do déficit do sistema, o próprio presidente do Brasil, Michel Temer, pretende suspender a intervenção antes do prazo terminativo, em 31 de dezembro, para após as eleições colocar em votação a reforma da Previdência.

“Esse projeto de emenda foi encaminhado ao Congresso em dezembro de 2016. Nesse tempo, já houve várias discussões públicas e dentro do congresso sobre o tema. Apesar de enxergar o debate como positivo e consequência de um ambiente democrático, precisamos avançar o quanto antes nessa votação, visto o problema estrutural do sistema atual”, revela o secretário da pasta.

Caetano reforça que, ao contrário do que muita gente pensa, a implantação da idade mínima de 65 anos só valerá de fato em 2038. “O período de transição começa com 55 anos e vai subindo gradativamente até 2038, quando se completa esse ciclo de transição”, comenta o secretário, que argumenta que a idade mínima de aposentadoria é uma realidade que existe em todos os países do mundo.

Mais polêmicas

Outra grande problemática do atual sistema previdenciário diz respeito às revisões dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez há mais de dois anos - o famoso pente-fino do INSS. Implantado em julho de 2016, a Medida Provisória 767, que foi convertida na Lei Federal 13.457, de 26/06/2017, alterou as regras para a concessão e manutenção desses benefícios previdenciários. De acordo com informações do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), no Brasil, até 31 de janeiro de 2018, foram realizadas 252.494 perícias com 201.674 benefícios cancelados. A ausência de convocados levou ao cancelamento de outros 26.701 benefícios. A economia até agora é de R$ 5,8 bilhões.

A expectativa é que neste ano seja economizado mais de R$ 9,9 bilhões com a revisão, totalizando cerca de R$ 15,7 bilhões ao longo do programa. Segundo especialistas consultados pela reportagem, em 2017, a cada dez perícias realizadas, oito benefícios eram cortados. “O INSS cessou quase 80% dos benefícios avaliados no pente-fino alegando que eles estavam sendo mantidos indevidamente. Porém, caso o segurado que teve o benefício cortado discorde do resultado da perícia da Previdência Social poderá ingressar com uma ação judicial contra o INSS, alegando que continua incapacitado para o trabalho. Caso o juiz concorde com o pedido, o segurado, baseado no parecer do perito da justiça, terá seu benefício restabelecido”, explica Almir Reis. 

Foi o que fez a balconista Eliane Santos, 59 anos, que acionou o sistema judiciário depois de ter sua vida revirada de cabeça para baixo quando teve, há oito meses, o benefício cortado. “Eu tenho artrose e como balconista de uma lanchonete não tinha mais condições de trabalhar por conta do grau avançado da minha doença. Recebi o benefício por dois anos, quando fui convocada para o pente-fino e, apesar de vários laudos médicos confirmando a minha incapacidade para exercer minha profissão, o médico perito disse que eu estava apta a voltar ao trabalho, por isso, tive o benefício cortado”, revela a ex-balconista, que vive desde que deixou de receber o pagamento mensal, da ajuda de familiares.

FONTE: JULIANA ALBUQUERQUE/FOLHA PE.

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