A investigação que vinha sendo tocada sigilosamente pela Polícia Federal sobre a fraude no programa federal de aquisição de alimentos em Pernambuco tornou-se pública em novembro de 2022, quando a Justiça expediu 36 mandados de busca e apreensão no Recife e em oito cidades do interior.
Na época, os nomes dos investigados não foram divulgados, mas as fontes oficiais informaram que o foco era desvio de dinheiro em contratos de fornecimento de leite geridos pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário durante o governo Paulo Câmara.
O tema parecia um prato cheio para Raquel Lyra (PSDB), que pôs fim a 16 anos de hegemonia dos socialistas em Pernambuco ao ser eleita governadora um mês antes. Ela, no entanto, limitou-se a reafirmar no Twitter a promessa de reabrir a delegacia especializada em crimes de corrupção.
Seis meses depois, na terça-feira 13 de junho, mais uma operação conjunta da PF, Receita Federal e Controladoria Geral da União, desdobramento da anterior, fez seis prisões, cumpriu outros mandados, quebrou sigilos telefônicos e bancários.
Dessa vez, com a informação pública de que, durante os últimos oito anos do PSB à frente do estado, uma empresa privada – a Natural da Vaca – teria desviado milhões de recursos públicos a partir de um contrato entre o governo e uma cooperativa fantasma.
Para uma governadora que costuma responsabilizar seu antecessor pelos problemas do estado, como fez algumas vezes durante a entrevista ao programa Roda Viva, na segunda-feira, 26 de junho, era de se esperar que ela e seus aliados usassem o fato para desgastar ainda mais os adversários, tentando capitalizar politicamente a investigação policial. Nada disso ocorreu.
Acontece que, no intervalo entre as duas operações policiais autorizadas pela Justiça Federal, a governadora Raquel Lyra renovou os benefícios e isenções fiscais da Natural da Vaca. No dia 28 de abril deste ano, o Diário Oficial publicou o decreto 54.662, atualizando os “estímulos” do Programa de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco (Prodepe) concedidos à indústria “Nutrir Produtos Lácteos Ltda. atualmente denominada Natural da Vaca Alimentos Ltda”.
O Prodepe é um programa criado em 1995, pelo então governador Miguel Arraes, que prevê um pacote de incentivos financeiros e isenções fiscais de até 100% de impostos estaduais, principalmente o ICMS, para “atrair e fomentar investimentos na atividade industrial”.
O texto do decreto do governo Raquel informa que uma reunião do comitê diretor do Prodepe , no dia 21 de março, assegurou a renovação dos benefícios a uma empresa investigada de desviar dinheiro que deveria beneficiar proprietários rurais de baixa renda e garantir leite para a população mais vulnerável.
Apesar da informação não ter sido divulgada para a imprensa, o foco das investigações já não era segredo para ninguém, pois, àquela altura, a maior parte dos suspeitos já tinham constituído advogados e o conteúdo do relatório da auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nº 21100872-2 era conhecido pelas autoridades pernambucanos há, pelo menos, um ano.

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