Pelas redes sociais, procurador que integra a força-tarefa da Operação Lava Jato disse que teme pela soltura de outros presos.
Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná (Foto: Reprodução/G1)
O procurador Deltan Dallagnol, que integra a
força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF), responsável pela Operação
Lava Jato, classificou como "incoerente" a decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) de soltar o ex-ministro José Dirceu. Na tarde desta
terça-feira (2), a
segunda turma da Corte decidiu, por 3 votos a 2, conceder um habeas corpus ao
político, que está preso desde agosto de 2015.
A reclamação de Dallagnol foi publicada nas redes
sociais. Ele citou outros três casos de prisões preventivas em que os três
ministros que votaram a favor da saída de Dirceu, naquelas oportunidades, foram
contrários à saída dos réus. Desses casos, dois eram denúncias de corrupção e
outro de tráfico de drogas, em que o réu, segundo o resumo descrito pelo
procurador, foi detido pela polícia com cerca de 150 gramas de drogas, entre
maconha e cocaína.
Dallagnol diz que Dirceu foi tratado de
forma diferente pelos ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffolli e Gilmar
Mendes, que votaram a favor do habeas corpus. "Diz-se que o tráfico de
drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. A grande corrupção e o
tráfico matam igualmente. Enquanto o tráfico se associa à violência barulhenta,
a corrupção mata pela falta de remédios, por buracos em estradas e pela
pobreza. (...) Gostaria de poder entender o tratamento diferenciado que recebeu
José Dirceu, quando comparado aos casos acima", afirmou.
No texto, ele ainda disse que ficou
frustrado com a decisão do STF. "Confiamos na Justiça e, naturalmente, que
julgará com coerência, tratando da mesma forma casos semelhantes. Hoje,
contudo, essas esperanças foram frustradas", afirmou.
Por fim, Deltan disse que a saída de
Dirceu cria o receio de que outros réus já condenados na Lava Jato possam ser
soltos. Ele defendeu que todos esses réus representam perigo real à sociedade.
"A prisão é um remédio amargo, mas necessário, para proteger a sociedade
contra o risco de recidiva, ou mesmo avanço, da perigosa doença exposta pela
Lava Jato", pontuou.
'Não cabe a procurador pressionar o STF',
diz Mendes
No voto em
que decidiu pela soltura de José Dirceu, o ministro Gilmar Mendes fez críticas
à atuação dos procuradores da força-tarefa. Nesta terça-feira, eles
apresentaram à Justiça uma nova denúncia contra Dirceu. Na
coletiva de imprensa em que explicou aos jornalistas os motivos da denúncia,
Dallagnol disse que ela tinha como objetivo tentar influenciar o voto dos
ministros.
"Foi uma brincadeira quase juvenil.
São jovens que fazem esse tipo de brincadeira. Se nós cedêssemos a esse tipo de
pressão, o Supremo deixaria de ser Supremo. Não cabe a procurador da República
pressionar o STF, seja pela forma que quiser. É preciso respeitar as linhas
básicas do Estado de Direito. Quando quebramos isso, estamos semeando um viés
autoritário. É preciso ter cuidado com esse tipo de prática", afirmou
Gilmar Mendes.
Leia abaixo a íntegra do texto publicado
por Deltan Dallagnol
A incoerente soltura de José Dirceu pelo
Supremo
O que mais chama a atenção, hoje, é que a mesma maioria da 2ª
Turma do Supremo Tribunal Federal que hoje soltou José Dirceu – Ministros
Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – votaram para manter presas
pessoas em situação de menor gravidade, nos últimos seis meses.
A história de Delano Parente
O ex-prefeito Delano Parente não teve a mesma sorte de José
Dirceu. Ele foi acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa. São os
mesmos crimes de Dirceu, mas praticados em menor vulto e por menos tempo. Foram
17 milhões de reais, entre 2013 e 2015, quando Dirceu é acusado do desvio de
mais de 19 milhões, entre 2007 e 2014, sem contar o Mensalão. O âmbito de
influência de Delano era bem menor do que o de Dirceu. Chefiou o pequeno
Município de 8.618 habitantes do interior do Piauí, Redenção do Gurgueia. Na
data do julgamento no Supremo, em 7 de fevereiro de 2017, nem mais prefeito
era. Contudo, todos os integrantes da 2ª Turma entenderam que sua prisão era
inafastável. A decisão de prisão original estava assentada na prática habitual
e reiterada de crimes.
O Ministro Dias Toffoli afirmou: “O Supremo Tribunal Federal já
assentou o entendimento de que é legítima a tutela cautelar que tenha por fim
resguardar a ordem pública quando evidenciada a necessidade de se interromper
ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa.”
A prisão de Thiago Poeta
Preso aparentemente há mais de 2 anos (mais tempo do que José
Dirceu), Thiago Maurício Sá Pereira, conhecido como “Thiago Poeta”, também não
teve a sorte de Dirceu em julgamento de março deste ano. Ele reiterou a prática
de crimes de tráfico em diferentes lugares e foi preso com 162 gramas de
cocaína e 10 gramas de maconha, além de alguns materiais que podem ser usados
para manipular drogas. Sua pena foi menor do que a de Dirceu, 17 anos e 6 meses
– a de Dirceu, só na Lava Jato, supera 30 anos, sem contar a nova denúncia.
Contudo, para Thiago, não houve leniência. Todos os ministros da 2ª Turma
votaram pela manutenção da prisão.
O Ministro Gilmar Mendes assim se pronunciou: “Por oportuno,
destaco precedentes desta Corte, no sentido de ser idônea a prisão decretada
para resguardo da ordem pública considerada a gravidade concreta do crime”. E
seguiu dizendo que “Ademais, permanecendo o paciente custodiado durante a
instrução criminal, tendo, inclusive, o Juízo entendido por sua manutenção no
cárcere, ao proferir sentença condenatória, em razão da presença incólume dos
requisitos previstos no art. 312 do CPP, não deve ser revogada a prisão
cautelar se não houver alteração fática apta a autorizar-lhe a devolução do
status libertatis .” Essas colocações também serviriam, aparentemente em cheio,
para manter José Dirceu preso, com a ressalva de que a situação de Dirceu é
mais grave.
O caso de Alef Saraiva
Alef Gustavo Silva Saraiva, réu primário, foi encontrado com menos
de 150 gramas de cocaína e maconha. Após quase um ano preso, seu habeas corpus
chegou ao Supremo. Em dezembro de 2016, a prisão foi mantida por quatro votos,
ausente o Ministro Gilmar Mendes, em razão da “gravidade do crime”.
O Ministro Ricardo Lewandowski foi assertivo na necessidade de
prisão de Alef: “Com efeito, há farta jurisprudência desta Corte, em ambas as
Turmas, no sentido de que a gravidade in concreto do delito ante o modus
operandi empregado e a quantidade de droga apreendida - no caso, 130 invólucros
plásticos e 59 microtubos de cocaína, pesando um total de 87,90 gramas, e 3
invólucros plásticos de maconha, pesando um total de 44,10 gramas (apreendidas
juntamente com anotações referentes ao tráfico e certa quantia em dinheiro),
permitem concluir pela periculosidade social do paciente e pela consequente
presença dos requisitos autorizadores da prisão cautelar elencados no art. 312
do CPP, em especial para garantia da ordem pública.”
Conclusão
Diz-se que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a
corrupção também. A grande corrupção e o tráfico matam igualmente. Enquanto o
tráfico se associa à violência barulhenta, a corrupção mata pela falta de
remédios, por buracos em estradas e pela pobreza. Enquanto o tráfico ocupa
territórios, a corrupção ocupa o poder e captura o Estado, disfarçando-se de
uma capa de falsa legitimidade para lesar aqueles de quem deveria cuidar. A
mudança do cenário, dos morros para gabinetes requintados, não muda a realidade
sangrenta da corrupção. Gostaria de poder entender o tratamento diferenciado
que recebeu José Dirceu, quando comparado aos casos acima.
O Supremo Tribunal Federal é a mais alta Corte do país. É nela que
os cidadãos depositam sua esperança, assim como os procuradores da Lava Jato.
Confiamos na Justiça e, naturalmente, que julgará com coerência, tratando da
mesma forma casos semelhantes. Hoje, contudo, essas esperanças foram
frustradas. Mais ainda, fica um receio. Na Lava Jato, os políticos Pedro
Correa, André Vargas e Luiz Argolo estão presos desde abril de 2015, assim como
João Vaccari Neto. Marcelo Odebrecht desde junho de 2015. Os ex-Diretores
Renato Duque e Jorge Zelada desde março e julho de 2015. Todos há mais tempo do
que José Dirceu. Isso porque sua liberdade representa um risco real à
sociedade. A prisão é um remédio amargo, mas necessário, para proteger a
sociedade contra o risco de recidiva, ou mesmo avanço, da perigosa doença
exposta pela Lava Jato.
Fontes dos casos: HCs 138.937 (Delano Parente), 139.585 (Thiago
Poeta) e 135.393 (Alef Saraiva).
Fonte: G1
Nenhum comentário:
Postar um comentário